Tratamentos para obtenção de gravidez são sempre duros: exigem decisões difíceis por parte do casal, além de tomarem tempo e consumirem energia e recursos financeiros. Quando se define que um tratamento complexo como a fertilização in vitro (FIV) será necessário, é fundamental que sejam tomadas medidas para se evitar problemas (que, em geral, são previsíveis) e maximizar as chances de sucesso. Em cerca de 50% dos casais que precisam realizar FIV, há problemas masculinos envolvidos (sozinhos ou associados a problemas femininos). Mesmo havendo importante participação do chamado “fator masculino”, o foco recai habitualmente na abordagem da mulher, uma vez que grande parte do tratamento se concentra nas medidas ginecológicas. No entanto, ainda, é muito comum não encontrarmos padronização na condução andrológica (masculina) do casal, o que, em última análise, levará a resultados negativos desnecessários no tratamento da mulher.
Quando ocorre um “negativo”, é importante evitarmos a ansiedade e controlar o impulso natural de simplesmente tentar de novo, sem que realmente nada “novo” seja feito. Em grande parte dos casos, revisar os dados masculinos e utilizar algumas medidas simples podem evitar falhas repetidas de FIV. Além disso, tomar alguns cuidados, principalmente nos casais em que será necessário algum tipo de procedimento ou cirurgia no homem, pode evitar que se chegue no dia da FIV com espermatozoides muito comprometidos, muito escassos ou até mesmo ausentes. Infelizmente, ainda, há casos em que, após toda a caminhada ginecológica, chega-se ao momento da FIV sem espermatozoide algum, sem que o casal tenha sido preparado para essa situação e, principalmente, sem que nenhuma medida preventiva tenha sido tomada. Em tais condições, a única saída acaba sendo o descarte ou congelamento desnecessário e imprevisto de óvulos, o que aumenta razoavelmente o número de etapas e o custo.
A FIV em si já traz uma série de eventos que não podemos controlar: não há sentido em aceitarmos nenhuma chance adicional de insucesso quando as ferramentas para evitarmos esse tipo de problema estão ao nosso alcance.
Selecionei algumas medidas que ajudam a reduzir as chances de problemas evitáveis no manejo dos casos andrológicos no ambiente de clínica de reprodução assistida.
Avaliar o homem… sempre! E bem!
De acordo com as principais sociedades de Medicina Reprodutiva do mundo, todo casal que apresente infertilidade deve ser completamente investigado. Isso inclui avaliação feminina e masculina. Partir para tratamentos complexos e caros sem avaliação andrológica é o primeiro passo para se ter problemas. Tratamentos como a FIV são excelentes ferramentas que podem e devem ser utilizados sempre que necessário. Mas, como qualquer ferramenta, a FIV deve ser utilizada quando a real necessidade está bem-estabelecida e quando se conhece muito bem a situação médica de todos os envolvidos. É inaceitável partir para FIV sem que o homem seja submetido ao exame físico adequado, bem como sem que os exames complementares sejam avaliados de forma cuidadosa. Todos os casos que apresentaram falhas por problemas masculinos evitáveis que tive a oportunidade de conhecer foram inadequadamente conduzidos a tratamentos caros, sem correta avaliação masculina inicial. Afirmações simplistas, como “só precisamos de um espermatozoide” ou “homem só precisa fazer um espermograma”, são ultrapassadas e devem ser reconhecidas como potenciais geradoras de problemas.
Trabalhar com, NO MÍNIMO, dois a três espermogramas, sempre de boa qualidade.
Análises seminais devem ser de boa qualidade. Devem ser realizadas seguindo-se os preceitos da organização mundial de saúde e, preferencialmente, por pessoal experiente e vinculado a laboratórios especializados em Andrologia ou Reprodução Assistida. É particularmente interessante que os mesmos profissionais que irão lidar com as amostras seminais, durante os tratamentos, também, atestem a viabilidade, qualidade e as peculiaridades dos espermatozoides. Isso reduz drasticamente a chance de desentendimentos e prejuízos à qualidade do tratamento do casal. Nenhum tipo de conclusão deve ser feita sem um mínimo de dois espermogramas bem-executados. Isso é especialmente verdade em casos em que não se encontre espermatozoides no ejaculado azoospermia. Esses casos, comumente, exigem medidas medicamentosas, invasivas ou cirúrgicas, que só devem ser adotadas mediante certeza diagnóstica, o que só pode ser obtido a partir de duas ou mais análises de sêmen de boa qualidade, sempre em condições adequadas.
Exames genéticos: realizar quando indicado.
Indivíduos portadores de azoospermia ou oligozoospermia importante deverão obrigatoriamente realizar exames genéticos (cariótipo e microdeleção do cromossomo Y). Esses exames fornecem informações que auxiliam a responder a duas importantes perguntas:
1- Existe algum dado mostrando maiores chances de problemas genéticos com os futuros filhos do casal? Homens com contagens muito baixas de espermatozoides podem apresentar fenômenos genéticos que não trazem nenhum tipo de repercussão clínica ao paciente, mas aumentam a ocorrência de algumas doenças genéticas nos filhos. Conhecer essa possibilidade é crucial para um correto planejamento terapêutico, dessa forma, visando-se minimizar ao máximos a chance de ocorrência desse tipo de problema mediante aconselhamento genético e de técnicas laboratoriais, como a biopsia embrionária e o diagnóstico genético pré-implantacional.
2- Em casos de azoospermia, existe algum dado mostrando maior ou menor chance de haver espermatozoides no interior do testículo? Portadores de azoospermia não obstrutiva podem apresentar resultados nos exames genéticos revelando maior ou menor chance de se encontrar espermatozoides em uma eventual captura cirúrgica. Em determinados casos, os exames podem mostrar situações em que a captura cirúrgica, certamente, não irá funcionar, o que, nesses casos, permite que evitemos o desgaste de cirurgias desnecessárias quando não existem chances reais.
Evitar biópsias ou punções desnecessárias a todo custo.
Procedimentos invasivos aos genitais masculinos só devem ser realizados quando existe a chance de usarmos eventuais espermatozoides imediatamente, ou seja, durante um ciclo de FIV, e sem necessidade de congelamento. Realizar biopsias ou punções (PESA) em caráter diagnóstico (fora do ciclo de FIV), é uma conduta antiga e abandonada pelos melhores centros em todo o mundo, uma vez que não trará informações definitivas e ainda se incorrerá no risco de sequelas que reduzem as chances de se obter espermatozoides em procedimentos futuros. As chances de obtenção de espermatozoides se reduzem cada vez que se pratica qualquer tipo de procedimento, de forma que manobras invasivas devem ser reservadas para tratamentos em andamento e evitadas como ferramenta diagnóstica a todo custo.
O espermatozoide ejaculado é sempre melhor.
Ainda é comum encontrarmos a incorreta recomendação para que pacientes que apresentem poucos espermatozoides à ejaculação (oligozoospermia) não utilizem material ejaculado durante tratamento de FIV, e sim material obtido por punção (PESA). Essa linha de conduta deve ser sempre evitada, pois espermatozoides capturados cirurgicamente (seja por punção, seja por biopsia ou até mesmo por microcirurgia) encontram-se sempre em estágios de amadurecimento inferiores àqueles ejaculados, com desempenho inferior nos resultados da FIV. Além disso, o uso de captura cirúrgica sem necessidade formal pode predispor o homem a sequelas cicatriciais que podem agravar o quadro reprodutivo e reduzir chances futuras, caso tentativas adicionais sejam necessárias. Técnicas de captura de espermatozoides só devem ser usadas quando não podemos conseguir espermatozoides ejaculados, seja em casos de obstrução (como nos vasectomizados), seja em homens que apresentem problemas de produção espermática (como nos casos de azoospermia não obstrutiva). São raríssimas as circunstâncias em que devemos dar preferência aos espermatozoides capturados cirurgicamente em detrimento daqueles presentes na ejaculação: como regra, devemos trabalhar sempre com espermatozoides ejaculados em função de seu melhor desempenho laboratorial na FIV.
Congelamento de segurança: a apólice de seguros para a FIV.
Uma das situações mais frustrantes que pode ocorrer durante um tratamento de reprodução assistida é a impossibilidade de se obter espermatozoides no dia da FIV. Isso leva a uma quebra da expectativa, além de exigir que óvulos não fertilizados sejam descartados ou congelados fora da melhor situação. Custos se elevam e resultados decaem.
A melhor maneira de se eliminar esse risco é a realização do congelamento de segurança. Quando a avaliação urológica detecta a possibilidade de ocorrência dessa situação, indica-se congelamento sequencial de amostras ejaculadas até se obter a quantidade necessária para se garantir a realização de um ciclo de FIV, mesmo que haja ausência de espermatozoides no dia do tratamento. Assim, a chance de cancelamento de FIV por inadequação andrológica cai radicalmente. Casos
em que há pouquíssimos espermatozoides no ejaculado (menos do que 1,1 milhão de espermatozoides móveis) são exemplos típicos de tal situação. Oscilações naturais (às quais todos os homens estão sujeitos) podem ocorrer na época da FIV, levando o indivíduo à ausência transitória de espermatozoides em um momento crítico. Indivíduos que reportam dificuldades de coleta seminal, também, beneficiam-se com o congelamento sequencial, que pode ser realizado de forma domiciliar, de maneira gradual até a obtenção de quantidades seguras de espermatozoides. Dessa forma, libera-se o prosseguimento da FIV apenas quando se dispõe de amostras congeladas analisadas e liberadas para uso terapêutico, com expressiva redução da chance de ocorrência de problemas de disponibilidade de sêmen.
Escolher a forma correta para capturar espermatozoides.
Uma vez que se determina a necessidade de uso de captura de espermatozoides, deve-se escolher a forma correta de realizá-la. É muito comum ainda encontrarmos recomendações para se realizar “punção” (PESA) para todo e qualquer caso de necessidade de obtenção cirúrgica de espermatozoides. A única forma de se determinar a forma correta e adequada é por meio da consulta urológica com exame físico. Pular essa etapa pode fazer o caminho da investigação parecer mais simples, mas abre, na verdade, as portas para possibilidades maiores de erro e de maus resultados. Usar a “punção” como única ferramenta é temeroso, uma vez que essa técnica só é aplicável para casos de obstrução. Indicar PESA para casos em que há problemas de produção (azoospermia) ou em casos de vasectomia muito antiga significa aceitar desnecessariamente a chance de chegar-se sem espermatozoides ao fim de um tratamento. Portanto, “punção” (PESA) não é necessariamente a forma correta de se obter espermatozoides, dependendo do caso. Existem formas específicas e adequadas para se obter espermatozoides para cada situação de infertilidade masculina, com maiores e menores possibilidades de sucesso. No entanto só a avaliação andrológica precisa poderá definir a mais adequada para cada casal, entre todas as formas de se procurar e capturar espermatozoides para uso em FIV.
Dr. Guilherme Leme de Souza
Fonte: Sharif K, Ghunain S. Surgical sperm retrieval: what not to do. Fert Ster 2008;89(1).
Disponível em: http://www.fertstert.org/article/S0015-0282(07)03472-3/pdf