Abortamento recorrente: problemas masculinos podem contribuir.

Se a dificuldade para engravidar já gera bastante estresse a um casal, assim como a perda de uma gestação causa enorme sofrimento; o abortamento recorrente é ainda mais doloroso.

Um episódio de abortamento, seja no início ou final da gravidez, é algo relativamente comum e ocorre em 15% a 25% das gestações. Esse índice pode ser ainda maior pelo fato de que muitas mulheres podem não reconhecer que estão grávidas e o abortamento ser confundido com uma perda menstrual tardia. Com o aumento do uso de testes de gravidez caseiros, os abortamentos, principalmente os precoces, têm sido cada vez mais reconhecidos, resultando em mais casais procurando avaliação devido a perdas gestacionais.

Já o aborto de repetição (ou aborto recorrente) é diagnosticado quando ocorrem duas ou mais perdas gestacionais, consecutivas ou não, e atinge 10% das mulheres que já perderam uma gestação.

Enquanto uma perda gestacional não é indício de nenhuma causa clínica específica e geralmente não é investigada, o aborto de repetição pede uma avaliação mais detalhada. Encontrar o fator que provoca a recorrência em cada caso é importante, não só para tratar as causas que tenham cura, como também para aumentar as probabilidades de que o casal tenha uma nova e bem-sucedida gestação, o que é perfeitamente possível.

O papel do homem no aborto recorrente ou de repetição

Quando ocorre o segundo abortamento é indicado investigar o que está provocando tais episódios. O mais comum, quando o casal inicia essa investigação, é ter toda essa análise focalizada apenas na saúde da mulher. Além da idade, também são investigadas alterações cromossômicas, anatômicas e endocrinometabólicas, causas imunológicas, trombofilias e infecções da mulher – enquanto ao homem, quando muito, é solicitado apenas um espermograma. Tal estratégia investigativa é equivocada, pois o papel do homem em abortamentos de repetição chega a 10% dos casos, e isso não pode ser ignorado. Diante deste dado, a pergunta que surge é: que caminho percorrer para realizar uma avaliação eficiente do integrante masculino do casal? Eis os principais exames:

Espermograma:

Conforme abordado no texto “Armadilhas na FIV – Como evitar problemas em casos masculinos?”, quando falamos de espermograma, o mais eficaz é trabalhar com, no mínimo, dois a três destes exames. As análises seminais devem ser de boa qualidade e realizadas seguindo-se os preceitos da Organização Mundial de Saúde – e preferencialmente realizadas por pessoal experiente e vinculado a laboratórios especializados em Andrologia ou Reprodução Assistida. É particularmente interessante que os mesmos profissionais que irão lidar com as amostras seminais, durante os tratamentos, também atestem a viabilidade, qualidade e as peculiaridades dos espermatozoides.

O espermograma pode revelar a presença de fatores como a azoospermia (quando o líquido ejaculado não possui espermatozoides) ou a oligozoospermia (quando a presença de espermatozoides no líquido seminal é reduzida). Caso os espermogramas estejam dentro da normalidade, o ponto crucial é não encerrar a investigação de possíveis causas para o aborto recorrente apenas baseando-se nesses resultados, pois algumas questões só podem ser percebidas mediante exames mais específicos.

Cariótipo + Microdeleções do cromossomo Y:

De acordo com um estudo recente, as anormalidades cromossômicas representam uma das principais causas conhecidas com relação as perdas gestacionais recorrentes, e a identificação dessas anomalias, realizada por meio de exame de sangue, é de suma importância, pois permite tanto a definição da etiologia das perdas gestacionais como influencia o manejo clínico e aconselhamento genético a ser ministrado ao casal e a sua família.¹ O mesmo estudo realizou exames em homens e mulheres e encontrou anomalias genéticas em 50% dos homens avaliados, o que só reforça a importância de se investigar não apenas a mulher, e sim o casal.

Um resultado que pode aparecer após esse exame são as microdeleções do cromossomo Y, conhecidas por causarem falha espermatogênica e infertilidade masculina. Além dessas consequências, uma pesquisa científica² publicada no Journal of Human Reproductive Sciences, concluiu que há possibilidade de a microdeleção do cromossomo Y ser uma importante causa oculta de abortos recorrentes na gravidez. Caso a cariotipagem e a microdeleção do cromossomo Y não revelem nenhum resultado relevante, é hora de investigar outras causas genéticas.

Outras Causas Genéticas:

SAT ou FISH: O exame de aneuploidias espermáticas, conhecido como SAT ou FISH, avalia, a partir de uma amostra de sêmen, a porcentagem de espermatozoides que apresentam anormalidades cromossômicas, o que

possibilita que se analise, entre outras coisas, os principais cromossomos que podem facilitar a ocorrência de abortamentos. Tal exame é bastante indicado, pois é acurado o suficiente a ponto de avaliar o produto final da meiose: o espermatozoide que irá, de fato, fertilizar o óvulo.

Fragmentação de DNA espermático: essa técnica é bastante importante porque, se o DNA espermático apresentar níveis altos de fragmentação, a chance de ocorrer interrupção da gestação praticamente dobra. Existe uma quantidade normal de fragmentação do DNA dos espermatozoides em todos os

homens. No entanto, quando há presença de fatores de “agressão” ao testículo, pode ocorrer maior quantidade de erros no “preparo” do material genético, e isso pode levar ao aumento do índice de fragmentação. Entre os mais frequentes fatores de agressão que podem aumentar a taxa de fragmentação de DNA espermático, estão:

  • idade;
  • uso de tabaco;
  • uso de drogas (tanto medicamentos como drogas ilícitas);
  • contato com metais pesados (chumbo, mercúrio), solventes e defensivos agrícolas (pesticidas, raticidas);
  • fenômenos inflamatórios: obesidade, diabetes, varicocele, artrite.

E quando encontramos alterações nestes exames? O que fazer?

Antes de tudo, procure manter a calma e pensar pelo lado positivo: apenas quando uma possível causa para abortamentos de repetição é encontrada é que se torna possível pensar em alternativas e, dependendo do que for concluído através dos exames, reverter a situação.

Desde aconselhamento genético, até a sugestão da realização de uma fertilização in vitro (FIV) com uso de técnicas de diagnóstico genético dos embriões (PGD, NGS) passando por tratamento do homem com agentes antioxidantes (como polivitamínicos em doses corretas) ou por adoção de simples alterações do estilo de vida, hoje a medicina pode oferecer diversas alternativas para que a tão sonhada gestação possa chegar ao nascimento…!

O importante é considerar o papel do homem como fator imprescindível no sucesso dessa gestação; o maior erro é insistir no conceito ultrapassado de que a investigação masculina pode ser restringida à realização de um simples espermograma. Existem problemas ocultos que podem acontecer em homens apesentando espermograma normais. Descobri-los exige atitude por parte do médico, utilização de exames complementares específicos, e adoção de medidas direcionadas a cada casal para que as gestações possam ser conduzidas com saúde até o termo.

FONTES

1- Anormalidades cromossômicas em casais com história de aborto recorrente in Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia  2009; 31(2):68-74  http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v31n2/04.pdf

2- Microdeletion of Y chromosome as a cause of recurrent pregnancy loss in Journal of Human Reproductive Sciences 2015; 8(3):159-164