REVERSÃO DE VASECTOMIA

Uma das mais frequentes situações na prática andrológica é a procura por auxílio para se obter gravidez após vasectomia. Na maioria das vezes, o paciente, que já é pai, encontra-se em nova união, após um longo tempo de vasectomia, e os planos para nova gestação se tornam importantes nesta nova família. Em outras circunstâncias, não há nova união, mas sim novos planos em casais que já têm filhos juntos e agora experimentam novo desejo de aumentar a família.

Sabemos que a vasectomia é um método contraceptivo definitivo de altíssima eficácia, sendo considerado, por muitos especialistas, o mais eficiente de todos. Dessa forma, precisamos entender o homem portador de vasectomia como alguém que está em uso de um método contraceptivo, e não como um homem infértil. Por consequência, o casal vasectomizado que está planejando gravidez não pode também ser tratado exatamente da mesma forma que os casais que são efetivamente portadores de infertilidade. Isso é extremamente relevante, visto que é completamente factível termos sucesso em um tratamento para gestação em homens que sabidamente produzem espermatozoides em grande quantidade e com qualidade suficiente para terem concebido filhos no passado.

 

QUAIS AS OPÇÕES DISPONÍVEIS?

Basicamente, temos dois grandes caminhos a serem seguidos em situações de desejo
reprodutivo na vigência de vasectomia. O primeiro é retirar o método contraceptivo. O segundo é promover a gravidez sem remover a contracepção. Para retirar o método contraceptivo, o caminho é a reversão da vasectomia, de forma a viabilizar a concepção natural. O outro método, em que se contorna a contrPractice comitee of the American Society of Reproductive Medicineacepção sem removê-la, é a realização de uma fertilização in vitro, utilizando espermatozoides retirados cirurgicamente (seja por  punção ou microcirurgia).  Não existe caminho certo ou errado. Existem situações individuais, para cada casal, que deverão ser analisadas de maneira clara e objetiva. A decisão passa pela preferência do casal e pela comparação entre a chance de sucesso de cada método. No caso da reversão, definir essa chance de sucesso depende primariamente do tempo de vasectomia e da condição reprodutiva do casal. A análise desses dois fatores auxiliará muito no aconselhamento do casal, pelo menos em termos de taxa de sucesso.

Fonte da imagem: Practice comitee of the American Society of Reproductive Medicine. Vasectomy reversal. Feril Steril 2008; 90:S78-82.

Notamos, claramente, que, quanto maior o tempo de vasectomia, menores as chances de obter patência (presença de espermatozoides no ejaculado) e, por consequência, gravidez. Se considerarmos que as taxas de sucesso de fertilização in vitro (FIV) oscilam entre 37 e 45% (estatísticas norte-americanas – SART 2013), a reversão de vasectomia será uma opção com maior taxa de sucesso, principalmente quando a esterilização tiver sido realizada de 9 a 14 anos. Quando atingimos 15 anos de vasectomia, as taxas de gravidez caem para cerca de 30%, tornando a FIV uma opção com maior chance de sucesso. Evidentemente, esses números não levam em conta características do casal (se a esposa apresentar problemas como obstrução tubária bilateral, a FIV será necessária de qualquer forma), nem as condições testiculares pós-vasectomia (o estado dos deferentes no exame físico do homem pode ajudar a prever maior ou menor chance de sucesso na reversão). A palavra final, mesmo considerando toda a estatística e opinião profissional da equipe médica, estará nas mãos do casal que será submetido ao processo. Portanto, conhecer as modalidades e suas características é de extrema importância no processo decisório, além dos fatores ligados à preferência pessoal por cada filosofia de tratamento.

COMO É FEITA A REVERSÃO DA VASECTOMIA?

Ao contrário do que muitos pensam, a reversão da vasectomia é um procedimento mais complexo e demorado que a realização da vasectomia. É um procedimento mais longo, realizado em hospital, exigindo, necessariamente, magnificação óptica. Como se trata de um procedimento reconstrutivo, a precisão necessária é muito maior que na realização da vasectomia, e a visibilização detalhada é determinante no sucesso. Atualmente, toda a literatura médica concorda que os melhores resultados em reversão de vasectomia exigem o emprego de microcirurgia por profissional treinado.

A possibilidade de reversão só pode ser determinada durante o ato operatório, dependendo do estado dos deferentes (os canais que serão religados) e da qualidade do fluido que existe no interior desses canais. Atribuímos uma nota a esse fluido, dependendo de seu aspecto visual e da presença e qualidade de espermatozoides que encontramos (análise microscópica deve sempre ser realizada na hora). Desta forma, é possível que, durante o procedimento, seja necessário optarmos por não realizar a reversão por impossibilidade técnica, modificando a estratégia para captura de espermatozoides para congelamento e uso em FIV futura. Todas essas opções devem ser muito bem-discutidas no período pré-operatório para que todos os caminhos sejam esclarecidos.

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Fonte da imagem: Practice comitee of the American Society of Reproductive Medicine. Vasectomy reversal. Feril Steril 2008; 90:S78-82.

Uma vez determinada a possibilidade da realização da reversão, prossegue-se com o procedimento microcirúrgico. Realizamos, então, pequenas incisões no escroto para se identificar a região da vasectomia.

Shin D, et al. Surgical Atlas

Fonte da imagem: Shin D, et al. Surgical Atlas – Vasovasostomy. BJU Int. 2004. 93, 1366-1378

A partir desse ponto, a microscopia cirúrgica passa a ser fundamental para preparo adequado das pequenas e delicadas estruturas. É fundamental trabalhar com excelente equipamento óptico, além de instrumental microcirúrgico específico, individual para cada cirurgião.

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Fonte: arquivo pessoal

A seguir, identifica-se a região onde existe o bloqueio da vasectomia e são preparados os canais com limpeza delicada. Testamos a permeabilidade com pinças e com injeção de fluidos, sempre, com intuito de termos certeza das boas condições locais para prosseguirmos.

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Fonte da imagem: Shin D, et al. Surgical Atlas – Vasovasostomy. BJU Int. 2004. 93, 1366-1378

Shin D, et al. Surgical Atlas_Vasovasostomy

Fonte da imagem: Shin D, et al. Surgical Atlas – Vasovasostomy. BJU Int. 2004. 93, 1366-1378

Aproximamos os canais com pequenos pontos para iniciar o processo de sutura microcirúrgica. O objetivo é termos as estruturas bem próximas e alinhadas para que a reunião seja perfeita. Quanto melhores as condições do tecido, do alinhamento e do material, melhor o resultado.

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Fonte da imagem: Shin D, et al. Surgical Atlas – Vasovasostomy. BJU Int. 2004. 93, 1366-1378

Executamos, então, a etapa mais delicada: a aplicação dos pontos microcirúrgicos utilizando fios especialmente projetados para essa finalidade. A essa conexão damos o nome de anastomose. Para que haja firmeza e estabilidade, confeccionamos camadas diferentes de pontos, tomando grande cuidado para que a abertura dos canais seja mantida e a continuidade estabelecida. A chave para o bom resultado desse procedimento é mantermos perfeito contato entre as aberturas dos canais. Esta fase é a que exige mais tempo e cuidado em todo o procedimento.

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Fonte da imagem: Shin D, et al. Surgical Atlas – Vasovasostomy. BJU Int. 2004. 93, 1366-1378

Após a aplicação de todos os pequenos pontos, está concluída a reconstrução. O outro lado é operado da mesma maneira. Ao final, fazemos o fechamento das incisões e os curativos, sempre com fios absorvíveis, dispensando a retirada de pontos. O aspecto final do trabalho é a perfeita união dos canais para se obter uma cicatrização delicada, permitindo o livre fluxo de espermatozoides. O espermograma para a definição do sucesso do procedimento deverá ser feito após o mínimo de 30-40 dias. Para preservar a delicadeza da anastomose, o paciente deve se abster de relação sexual e ejaculação nos primeiros dias, além de evitar qualquer tipo de trauma local.

Fontes  

Practice comitee of the American Society of Reproductive Medicine. Vasectomy reversal. Feril Steril 2008; 90:S78-82.
Shin D, et al. Surgical Atlas – Vasovasostomy. BJU Int. 2004. 93, 1366-1378

Dr. Guilherme Leme de Souza