ANABOLIZANTES E O IMPACTO NA SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA DO HOMEM

Nos últimos anos, é evidente o aumento do uso de substâncias esteroides anabolizantes (EA) por parte de pessoas “comuns”. Há cerca de 10 a 15 anos, o uso de EA ficava muito restrito a atletas em competições que demandavam maior desempenho, ou indivíduos que frequentavam ginásios específicos. Hoje, com o acesso irrestrito à informação e às possibilidades de obtenção de anabolizantes, o número de pessoas que os utilizam cresceu imensamente. E o mais interessante não é apenas o fato de muitas pessoas utilizarem essas substâncias, mas, sim, o fato ter havido uma grande mudança de perfil: muitas das pessoas que fazem uso de EA são frequentadores de academias convencionais, muitas vezes, em busca de incrementos nos resultados estéticos e funcionais de sua rotina de exercícios físicos. Trata-se de uma população diferente dos fisiculturistas profissionais da década passada: são pessoas comuns, esportistas amadores e profissionais de outras áreas! O dia a dia de consultório revela, ainda, outra característica muito interessante das pessoas que procuram anabolizantes: o crescente interesse pelo conhecimento sobre a fisiologia e, até mesmo, quanto aos mecanismos de ação dos EA. Comumente, o conhecimento que os pacientes têm a respeito do tema chega até a ser maior do que o conhecimento que muitos médicos possuem sobre o assunto. A verdade é que os profissionais de saúde raramente recebem treinamento adequado ou têm interesse suficiente relativamente a esse assunto, assim, deixando as pessoas que fazem uso dessas substâncias completamente desassistidas sob o ponto de vista médico.

COMO SÃO UTILIZADOS OS ANABOLIZANTES?

Os EA são substâncias sintéticas derivadas da testosterona. De certa forma, todos os anabolizantes funcionarão de maneira muito parecida com a testosterona, que é o principal hormônio masculino do nosso organismo. Todos os EA possuem, grosso modo, duas principais propriedades:

  • Propriedade anabolizante: em geral, são os efeitos desejados por aqueles que utilizam EA, envolvendo principalmente a hipertrofia dos músculos esqueléticos por conta do aumento de síntese de proteínas em suas fibras.
  • Propriedade androgênica (ou virilizante): são efeitos masculinizantes, ou seja, efeitos que imitam e exacerbam fenômenos que acontecem tipicamente nos homens: aumento do timbre da voz, queda de cabelo, oleosidade na pele, distribuição masculina da gordura corporal, etc.

Essas propriedades costumam variar dependendo da categoria do anabolizante. Como sempre utilizamos a testosterona natural como base para comparação com os demais EA, podemos afirmar que a testosterona apresenta uma relação 1:1 entre anabolismo e androgenismo. Alguns EA podem tender mais para o anabolismo, ao passo que outros podem tender mais para o androgenismo, ou virilização.

O padrão de uso costuma envolver sempre mais de uma substância (um princípio muitas vezes chamado stacking, ou empilhamento, em que se utilizam substâncias diferentes para se obter efeitos complementares), em períodos de uso intercalados como períodos de abstinência (os famosos “ciclos”), que tipicamente duram aproximadamente três meses. Os ciclos são habitualmente compostos por fases distintas, que levam em conta as propriedades dos EA utilizados:

  • Fase de ganho muscular (ou bulking): utilizam-se substâncias com predomínio anabólico com o intuito de aumentar a massa muscular. As drogas frequentemente empregadas são os compostos puros de testosterona (com relação 1:1), como o cipionato, undecanoatoou, blends com diversos ésteres do hormônio (geralmente, produtos disponíveis nas farmácias, como o Durateston®, Deposteron®, ou Nebido®); ou substâncias com maior efeito anabólico e pouco efeito androgênico, como a nandrolona
    (Decadurabolin®) ou oxandrolona (Anavar®).
  • Fase de definição (ou fase de “corte”): usam-se, primariamente, drogas potentes, com pouco anabolismo e muito poder androgênico, com o intuito de redistribuição de gordura e diminuição de retenção e líquidos. O exemplo mais típico de drogas utilizadas com esse propósito é o amplamente conhecido stanozolol (Winstrol®).

 

shutterstock_283753244


E QUAIS OS PROBLEMAS SEXUAIS E REPRODUTIVOS?

O grande problema do uso de anabolizantes é a confusão que causam nos mecanismos de regulação dos hormônios sexuais naturais. Quando a pessoa utiliza anabolizantes (o que sempre é feito em doses muito superiores às necessidades naturais), há uma percepção de excessos de tais hormônios por parte do organismo. Isso inclusive acontece quando se utilizam baixas doses, porque a forma com que hormônios masculinos são produzidos no corpo envolve muitas oscilações finas (e essas oscilações, simplesmente, não acontecem quando os anabolizantes entram no organismo). Uma vez percebido esse “excesso” de hormônios no sistema, os mecanismos de produção natural de testosterona são bloqueados (damos a isso o nome de “feedback negativo”), e, assim, passa a haver falta de hormônios naturais. O maior problema reprodutivo reside no fato de que, para existir produção adequada de espermatozoides, é necessário que haja boa quantidade de testosterona natural (hormônios sintéticos não são capazes de realizar essa tarefa). Desta forma, mesmo em pouco tempo de uso de EA (menos de 3 meses), os hormônios naturais já se encontram suficientemente baixos e já podem propiciar problemas espermáticos. Conforme as doses utilizadas e o tempo de uso, pode demorar bastante para que o sistema volte a funcionar corretamente. Em alguns casos, pode haver instalação de problemas definitivos de fertilidade e dano permanente aos testículos (que frequentemente acabam por apresentar redução em seus volumes). Isso é a chamada fase de “rebote”, muito frequente após o término do uso de EA, causada por níveis persistentemente baixos de hormônios naturais. Essa falta de hormônios durante o rebote pode, também, levar a sérios problemas de ereção e de falta de libido, muitas vezes, induzindo a pessoa a realização de novos ciclos de anabolizantes.

COMO TRATAMOS?

A orientação médica será sempre no sentido da interrupção do uso. Toda a informação técnica deve ser discutida ampla e irrestritamente. A fase que se segue após o término de ciclos de EA, ou de sua interrupção pode ser bastante incômoda em razão da queda persistente de hormônios naturais. O rebote, tipicamente, dura entre 6 e 12 meses, mas pode prolongar-se  por até 2 anos ou mais. Quando a pessoa se encontra em rebote, é possível usar medicação específica para auxiliar na retomada do funcionamento testicular, com isso, melhorando bastante a produção espermática e hormonal. Utilizam-se substâncias sintéticas que atuam diretamente sobre os testículos, induzindo a produção natural de hormônios e espermatozoides de maneira a reduzir o período de rebote. Essa estratégia pode ser utilizada com segurança, desde que sob estrita supervisão médica, com realização dos exames pertinentes de sangue, sêmen e ultrassonografia. Dessa forma, homens que buscam melhorar as esferas sexual e reprodutiva abaladas por uso de anabolizantes podem ser beneficiados de modo extremamente seguro e eficaz.

shutterstock_358745582MINHA OPINIÃO PESSOAL

Como médico, acredito que o uso de anabolizantes deve ser desencorajado a todo custo. São substâncias com grande potencial de interferência em diversos órgãos e sistemas. Particularmente, não apoio, prescrevo ou endosso o uso de qualquer tipo de esteroide anabolizante com finalidade estética ou de ganho de performance atlética sem necessidade médica formal. A melhor ferramenta para qualquer pessoa atingir o seu melhor em termos estéticos ou esportivos é o equilíbrio. Equilíbrio em todas as esferas da vida: na dieta, na quantidade e intensidade das atividades físicas, no trabalho e na vida pessoal. No entanto acredito, também como médico, que todas as pessoas têm direito ao melhor suporte de saúde possível. Pessoas que optam por utilizar qualquer tipo de substância podem e devem receber, sempre que julgarem necessário, orientações e atenção respeitosa de seu médico. A diversidade de opiniões deve ser respeitada: não só a opinião do profissional de saúde que presta atendimento, mas, principalmente, a das pessoas que buscam auxílio médico, independente de usar ou não anabolizantes.

PARA PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE

Disponibilizo a íntegra de um artigo que contém revisão completa sobre o tema, que publiquei em periódico indexado. Esse texto está em língua inglesa e apresenta maiores detalhes sobre esteroides anabolizantes e suas características, uma classificação inovadora para as substâncias e uma discussão ampla sobre o impacto na saúde reprodutiva do homem.

Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1464-410X.2011.10131.x/epdf>
Souza GL1, Hallak J. Anabolicsteroidsand male infertility: a comprehensivereview. BJU Int. 2011;108(11):1860-5.