DESCOBRIMOS A VARICOCELE – E AGORA?

Uma das mais frequentes situações no consultório de Andrologia e Reprodução Humana é a visita por conta do achado em exame de varicocele. O primeiro passo é esclarecer  de maneira objetiva o que é essa entidade. Varicocele são varizes escrotais, ou dilatação anormal das veias dos testículos. Como estamos falando sobre dilatação de veias, devemos, também, entender que não se trata de uma doença originária dos testículos, mas sim das próprias veias. O homem com varicocele tem, portanto, um problema de origem vascular: existe produção inadequada de um tipo de colágeno muito presente em determinados tipos de veias. Quando falta esse componente nas veias, elas se tornam mais frágeis, com maior frouxidão em suas paredes. Por consequência, elas vão se dilatando e adquirindo um formato mais tortuoso, cheio de curvas. As veias do lado esquerdo, por características anatômicas, recebem maior tensão em suas paredes, o que as torna mais visíveis, explicando o fato de diagnosticarmos varicocele à esquerda com maior facilidade. No entanto são veias patológicas em ambos os lados e dificilmente teremos comprometimento exclusivo de um lado apenas. É exatamente o que ocorre com as veias de outros lugares do corpo. Quem tem varicocele tem mais chance de ter varizes nas pernas ou até mesmo no intestino, onde recebe o nome de hemorroida. Essas veias mais dilatadas são, também, menos competentes, O sangue, que deveria fluir normalmente de volta ao coração pelas veias, acaba refluindo e voltando para o lugar de onde veio. No caso da varicocele, o sangue normalmente flui unidirecionalmente de volta ao corpo; quando há varicocele, ele acaba retornando erradamente aos testículos, desse modo, comprometendo seu bom funcionamento. Ao considerar isso, torna fácil entender que, quando há varizes, o sangue sempre acaba ficando “represado” em algum ponto do corpo. Quando a pessoa possui varizes nas pernas, o sangue reflui para pés e canelas, e essas regiões sofrem consequências: a pele fica mais frágil, fina e propensa a feridas. Algo semelhante ocorre com os testículos dos portadores de varicocele: o refluxo sanguíneo fragiliza-os e reduz a performance de suas funções, em especial, a produção de espermatozoides. Esse é o motivo pelo qual a existência da varicocele pode reduzir o potencial fértil de um homem. Sabemos que 15% dos homens são portadores de varicocele, é uma entidade muito comum. No entanto nem todos apresentam ou apresentarão problemas de fertilidade. Tudo depende da saúde testicular como um todo, além da severidade da varicocele. Sabemos também que, de todos os homens com problemas de fertilidade, cerca de 40% terão varicocele ao ser examinados, o que comprova a relevância desse problema na saúde reprodutiva do homem. Hoje, temos evidências consistentes mostrando que a presença de varicocele não tratada pode, inclusive, estar associada à maior chance de falhas em tratamentos em reprodução assistida, como a fertilização in vitro e a ICSI.


Varicocele

De todas as causas de infertilidade no homem, a varicocele é a mais comum. Além disso, existe uma característica importante: a varicocele é tratável, ou seja, pode ser curada, levando à melhora do quadro reprodutivo. Para definirmos se existe ou não necessidade de se tratar a varicocele, o primeiro passo é determinar se realmente existe o problema, e o quanto ele causa de impacto. Na grande maioria das vezes, os pacientes já têm uma suspeita diagnóstica por conta de exames de ultrassonografia realizados em outros momentos da vida. No entanto trata-se de um diagnóstico que só podemos estabelecer com certeza por meio do exame físico, quando vemos ou palpamos essas veias dilatadas. É fundamental, portanto, o exame físico urológico, pelo qual se define a existência ou não da varicocele. A graduação clássica da varicocele, também, dá-se por exame físico:

  • Subclínica: varizes que não visíveis nem palpáveis ao exame físico, sendo detectáveis apenas por ultrassom Doppler.
  • Grau 1: varizes visíveis ou palpáveis apenas durante esforço abdominal, ou manobra de Valsalva.
  • Grau 2: varizes palpáveis.
  • Grau 3: varizes facilmente visíveis, sem necessidade de palpação.

Ultrassonografias podem ser úteis para auxiliar o exame físico quando esse é difícil ou para ajudar a determinar a gravidade do quadro. Utilizamos estudo como Doppler colorido para identificar as veias, determinar seu diâmetro, além de identificar a presença do refluxo sanguíneo bidirecional a partir de sinais coloridos durante o esforço abdominal (ou manobra de Valsalva).

Ultrassonografia_varicocele_1

 Fonte: arquivo pessoal

 Análises seminais realizadas em laboratórios especializados são de grande importância, também. É preciso saber se há alterações nos espermogramas, e se elas são decorrentes da varicocele ou não. Trabalhamos, sempre, como mais de uma análise seminal a fim de aumentar a acurácia da avaliação. Com esses dados, definimos a necessidade ou não do tratamento da varicocele: presença de varicocele ao exame físico, anormalidades no espermograma e dificuldade para engravidar são os itens que usamos para definir os planos. Eventualmente, levamos em conta a existência de diferenças no volume testicular em um dos lados, o que pode refletir em maior comprometimento e necessidade de tratamento.

Uma vez definido que existe varicocele e que há necessidade de tratar, o passo seguinte é escolher a modalidade de tratamento. O tratamento de varicocele é sempre cirúrgico, com isso, visando bloquear as veias comprometidas e fazer o sangue procurar trajetos alternativos, por veias saudáveis. Pode-se bloquear as veias doentes por cirurgias clássicas na virilha ou no abdome, por laparoscopia, ou por radiologia intervencionista. Todas as técnicas precisam ser feitas em hospital, cada uma com suas vantagens e desvantagens. De todas as técnicas, a que apresenta melhores resultados em todo o mundo, com a menor chance de complicações ou recidiva, é a técnica microcirúrgica. É uma modalidade minimamente invasiva, com incisões inferiores a 3 centímetros e uso de microscópio cirúrgico. Dessa forma, conseguem-se os melhores resultados em termos de melhora de qualidade seminal e incremento reprodutivo. Com o uso do microscópio, identificamos apenas as veias que precisam ser desconectadas, preservando as demais estruturas de maneira extremamente precisa e limpa. O tempo de permanência no hospital é inferior a um dia, sem necessidade de pernoite, e com retorno às atividades diárias em pouco tempo.

A correção da varicocele aumenta as chances de gravidez natural, melhora o sêmen a ponto de podermos utilizar técnicas mais simples em reprodução assistida, o que poupa o casal de tratamentos desnecessários, além de incrementar as chances de tratamentos mais complexos (como a fertilização in vitro, por exemplo) funcionarem. Hoje, de acordo com novos estudos internacionais, sabemos que homens que tiveram varicocele corrigida têm mais chance de obter sucesso durante um tratamento artificial, quando comparados a casais em que o homem possui varicocele, mas não foi submetido à correção cirúrgica. Em outras palavras, podemos entender que a microcirurgia para correção de varicocele pode e deve ser vista como uma ferramenta de incremento nas taxas de gravidez, tanto em tentativas naturais como em tratamentos em reprodução assistida.

Fontes   

Esteves SC, Roque M, Agarwal A. Outcome of assisted reproductive technology in men with treated and untreated varicocele: systematic review and meta‑analysis. Asian J Androl (2016) 18, 1–5

 

Dr. Guilherme Leme de Souza