O CAMINHO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, PASSO A PASSO.

É impossível discutirmos modalidades em que o médico auxilia o casal a engravidar sem citarmos as duas principais formas de reprodução assistida: a inseminação intrauterina (IIU) e a fertilização in vitro (FIV).

Obviamente, sempre que prestamos assistência a um casal desejando gravidez, o primeiro passo é realizarmos o diagnóstico, ou seja, sabermos qual a causa da dificuldade para engravidar definirá tudo o que será feito para se atingir a gestação. Quando encontramos causas passíveis de solução, optamos por resolver o problema para viabilizar a gravidez natural, que é sempre o melhor caminho. É o caso típico das doenças ou problemas que resolvemos por meio de cirurgias, como a endometriose e a varicocele. Nesses casos, há algo dificultando a ocorrência da gravidez e resolver o problema pode fazer toda a diferença.

Em outras circunstâncias, pode ser necessário utilizar as técnicas de reprodução assistida (TRA) mediante as quais a gravidez é atingida por meio de um tratamento médico. Essas técnicas são empregadas quando, por algum motivo, não conseguimos resolver de forma definitiva o que esteja impedindo a gravidez. Os exemplos típicos dessa situação são as alterações reprodutivas masculinas, em maior ou menor grau. Muitas vezes, podemos reverter ou melhorar a condição masculina, mas não conseguimos atingir um ponto em que a gravidez natural ocorra.

Não há muitas formas médicas para se auxiliar no processo reprodutivo. A IIU e a FIV são as modalidades que dispomos, e sempre que precisarmos auxiliar a ocorrência da gravidez, utilizaremos, de alguma forma, uma dessas duas ferramentas.

 

IIU e FIV

De forma geral, as duas modalidades podem ser resumidas quanto às suas características e suas taxas de sucesso:

IIU: nesta modalidade, realizamos um estímulo ovariano leve, com finalidade de induzir a produção de um número pequeno de óvulos (1 ou 2, preferencialmente), e, com o uso programado de medicamentos, conseguimos marcar com precisão a hora da ovulação. Realizamos, então, o preparo do sêmen (que é colhido por masturbação) de forma a selecionar espermatozoides com maior motilidade e densidade em um pequeno volume de líquido (cerca de 20% do volume de uma ejaculação normal).

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Fonte: Beydola T, Sharma RKLee W, Agarwal A. Sperm preparation and selection techniques. In: Male Infertility Practice. Editors. Botros Rizk, Nabil Aziz and Ashok Agarwal, New Delhi, Jaypee Brothers Medical Publishers. 2013; 244-251. Disponível em: https://www.clevelandclinic.org/reproductiveresearchcenter/info/2010/Beydola-T_Sharma-RK-2013.pdf

No momento exato (após 36 a 42 horas da ovulação, determinada pelo chamado gatilho ou trigger da ovulação), quando o óvulo produzido estará nas trompas, a caminho do útero, realizamos a inseminação intrauterina propriamente dita, que é a colocação do sêmen processado no interior do útero, por meio de um procedimento muito similar à realização da coleta de Papanicolaou.

Neste tratamento, não realizamos o encontro entre óvulo e espermatozoide no laboratório (in vitro), como na FIV, mas dentro do próprio útero (consiste em uma fertilização in vivo). Trata-se, portanto, de uma modalidade em que simplesmente marcamos a hora da ovulação e colocamos o sêmen preparado no meio do caminho. Como não há muitas etapas laboratoriais, visto que os óvulos não chegam a ser retirados do corpo da mulher, este procedimento é, muitas vezes, chamado inseminação simples ou TRA de baixa complexidade. Consiste em uma modalidade mais econômica (não há manipulação de óvulos ou embriões e usam-se doses muito baixas de medicação para induzir a ovulação), porém com taxas de gestação baixas (próximas de 16-20% por tentativa). Vale lembrar que, para termos sucesso com esta modalidade, é preciso que os espermatozoides se movam sem problemas no interior do útero e das trompas e sejam capazes de interagir com o óvulo e fertilizá-lo sem ajuda. A IIU só será  boa opção, portanto, em mulheres que apresentem tubas uterinas (trompas) sem nenhum problema. É uma modalidade de tratamento que funciona muito bem em casais cujo homem apresente alterações leves a moderadas nos espermogramas (alterações que podem ser otimizadas durante o preparo do sêmen em laboratório) ou a mulher apresente problemas relacionados a irregularidades menstruais (que podem ser ajustadas durante a “marcação de horário” da ovulação), como, por exemplo, a síndrome dos ovários policísticos.

FIV: nesta modalidade, a fertilização (encontro entre espermatozoide e óvulo) dar-se-á em laboratório (in vitro). É um tipo de tratamento desenvolvido originariamente para proporcionar gravidez em situações em que temos quantidades extremamente reduzidas de espermatozoides ou problemas mecânicos que impeçam a chegada do espermatozoide ao óvulo no interior do corpo materno (como nas mulheres com bloqueios nas tubas uterinas, por exemplo). Neste método, precisamos levar ao laboratório os espermatozoides (que podem ser obtidos por masturbação ou por captura cirúrgica, se necessário) e óvulos. Os óvulos são amadurecidos naturalmente mês a mês, e não são expelidos naturalmente do corpo feminino. Para que sejamos capazes de retirar óvulos, é preciso que completemos duas etapas: o estímulo ovariano controlado (similar ao que realizamos na IIU, porém com intensidade maior) e a coleta de óvulos (retirada dos óvulos do corpo por meio de um procedimento chamado aspiração folicular). Uma vez que temos espermatozoides e óvulos “em mãos”, inicia-se a etapa laboratorial (que não ocorre na IIU). Nesta fase, que dura algo entre 3 e 6 dias, promove-se a chamada fertilização in vitro propriamente dita. Os óvulos receberão espermatozoides mediante duas possíveis técnicas:

  • FIV clássica: os espermatozoides são colocados ao redor de cada óvulo, havendo uma seleção natural entre eles. É necessário um grande número de espermatozoides móveis, cerca de 80 mil para cada óvulo.

                                                   Fiv_classica

Fonte: http://www.irishhealth.com/article.html?con=497.

 

  • FIV com ICSI (sigla para a expressão em inglês IntraCitoplasmic Sperm
    Injection
    , ou injeção intracitoplásmica de espermatozoides): nesta modalidade, trabalha-se com espermatozoides isolados, ou seja, apenas um para cada óvulo. É a técnica de escolha quando existem poucos espermatozoides ou quando há problemas em sua movimentação. Um espermatozoide selecionado é injetado no interior de cada óvulo, utilizando-se micromanipulação das células em ambiente altamente controlado.

FIV

Os óvulos que recebem espermatozoides passam a conter material genético do pai e da mãe. Caso o desenvolvimento transcorra normalmente nas primeiras 24 horas seguintes, o óvulo adequadamente fertilizado pelo espermatozoide receberá o nome de pré-embrião. Nos dias seguintes são avaliados, sequencialmente, os pré-embriões até o ponto em que estejam prontos para colocação no útero materno, o que leva de 3 a 6 dias. Esse procedimento se chama transferência embrionária e é muito semelhante à IIU, sendo realizado com espéculo e ultrassonografia abdominal, de maneira confortável e sem necessidade de anestesia. Uma vez transferidos os embriões, entra-se na fase de implantação embrionária, que deverá ser concluída a partir da interação entre embrião e útero materno.

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Nesta fase, há pouquíssima influência médica, dependendo o sucesso da qualidade embrionária e do preparo adequado do endométrio (revestimento interno do útero que é renovado mês a mês, onde se dá o processo de implantação). A partir da transferência, aguarda-se aproximadamente de 9 a 14 dias para a realização do exame sanguíneo que confirma a gravidez. As taxas de sucesso para FIV são variadas, dependendo da causa da infertilidade e, principalmente, da idade da mulher. Como regra geral, trabalhamos com taxas de gravidez ao redor de 35% na primeira tentativa, para mulheres de até 35 anos. Esse tratamento envolve diversas etapas médicas e laboratoriais e é a mais complexa ferramenta disponível em TRA. Daí o fato de ser também conhecido como TRA de alta complexidade.

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Fonte: http://pbostagingnew.practicebuilders.com/chetkowski/blog/wp-content/uploads/2015/12/graph_agefactor.jpg

PASSO A PASSO: COMO FUNCIONA UM CICLO DE FIV?

O ciclo de FIV é, sem dúvida alguma, o tratamento em Medicina Reprodutiva que envolve maior número de etapas. A seguir, tem-se a descrição de cada uma delas. O tratamento de IIU envolverá algumas delas, que serão identificadas.

  • Estímulo ovariano controlado

É a fase em que seEstimulo_ovariano_controlado utilizam doses elevadas de hormônios sintéticos para induzir o trabalho ovariano. Existem diversos protocolos (longo, curto, ultracurto) compostos pelas várias classes de medicamentos disponíveis para estimular o ovário (FSH recombinante, menotropinas urinárias, LH recombinante, por exemplo) e para inibir a ovulação precoce (antagonistas do GnRH como o cetrorelix; ou agonistas do GnRH, como o leuprolide). Essas medicações são habitualmente administradas por injeções subcutâneas, e essa fase dura em torno de 9 a 10 dias.

Muitas vezes, há confusão sobre utilizar medicamentos para impedir a ovulação. Usamos hormônios estimulantes para o ovário, mas, após certo momento, os folículos (bolsas líquidas formadas no interior dos ovários, que são examinadas periodicamente ao ultrassom) correm o risco de se romper, liberando os óvulos para as tubas, como ocorre no ciclo natural (essa ruptura é a chamada ovulação). No entanto, no ciclo de FIV, é fundamental que isso não ocorra, pois é necessário que os óvulos permaneçam no ovário, de onde conseguimos retirá-los por meio da aspiração folicular. Daí a necessidade de bloquearmos a ovulação. O estímulo, por sua vez, é importante para transformarmos os folículos em estruturas grandes o suficiente para permitir a aspiração do líquido de seu interior, onde encontraremos os óvulos.

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Fonte: http://www.advancedfertility.com/injections.htm

 

  • Gatilho ou trigger da ovulação

Quando atingimos um ponto em que os folículos tornam-se grandes o suficiente, utilizamos um terceiro grupo de medicamentos, que promoverá o amadurecimento final dos óvulos, etapa conhecida como gatilho, ou trigger da ovulação. Essa etapa é fundamental para obter óvulos de qualidade adequada para a fertilização. A ideia é imitarmos o que ocorre em um ciclo natural, em que acontece um pico hormonal que confere maturidade oocitária. Para isso, utilizamos hormônios muito parecidos com aqueles que sobem durante o pico: HCG urinário purificado ou HCG sintético, chamado alfacoriogonadotropina. Com essa etapa, ocorre a ovulação e, por isso, precisamos ser muito precisos em termos de horário: a retirada de óvulos deverá ocorrer em 35-36 horas após esse pico, sob risco de haver a ovulação e não conseguirmos retirá-los em tempo. No caso do IIU, realizamos o trigger, mas não retiramos os óvulos: utilizamos essa medicação justamente para saber a hora da ovulação, que irá definir o momento em que levaremos os espermatozoides ao interior do útero.

  • Coleta de óvulos por aspiração folicular

Os óvulos produzidos não serão capazes de sair do corpo naturalmente. É preciso que a retirada seja realizada com procedimento médico de aspiração folicular. Os folículos que se tornam visíveis ao ultrassom mediante o estímulo ovariano são, na verdade, pequenas bolsas cheias de líquido. Dentro de cada bolsa, pode haver um óvulo. A única forma de sabermos se determinado folículo contém óvulo é a partir da análise desse fluido folicular. Assim, com o ultrassom transvaginal acoplado a um sistema de aspiração com agulha, conseguimos aspirar totalmente o fluido de todos os folículos formados e analisá-lo já no interior do laboratório de FIV. Esse procedimento é realizado com anestesia, dura aproximadamente 15 minutos e é completamente indolor. A retirada de óvulos é exclusiva da FIV, não sendo parte da IIU.

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  • Fertilização in vitro clássica ou por ICSI

Uma vez que o fluido folicular é retirado do interior dos ovários, iniciam-se as etapas laboratoriais de fertilização in vitro propriamente ditas, por meio da FIV clássica ou ICSI. Toda a sequência é muito bem-definida dia a dia. Em cada etapa, é preciso que se atinja um determinado objetivo.

  • Dia 0: este é o momento em que o laboratório recebe o fluido folicular e separa os óvulos. É preciso que estejam maduros para ser aptos a receber espermatozoides, seja da forma clássica ou por ICSI.

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Fonte: Magli MC et al. Atlas of human embryology: from oocytes to preimplantation embryos. Hum. Reprod. 27 (1) August 2012.
  • Dia 1: após aproximadamente 24 horas, é preciso que cada óvulo que recebeu espermatozoide demonstre sinais de que a fertilização foi bem-sucedida. Neste dia, conseguimos determinar quantos óvulos foram capazes de se tornar zigotos.

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Fonte: Magli MC et al. Atlas of human embryology: from oocytes to preimplantation embryos. Hum. Reprod. 27 (1) August 2012.

 

  • Dia 2 e 3: nestes próximos dias, é preciso que os pré-embriões passem a dividir-se, a partir de um fenômeno denominado clivagem. No dia 3 já é possível atribuir uma nota aos pré-embriões e, a partir daí, já se pode colocá-los no interior do útero, por meio da transferência embrionária. Alternativamente, podem ser mantidos em observação por mais alguns dias para desenvolvimento adicional, dependendo da estratégia a ser utilizada.

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Fonte: Magli MC et al. Atlas of human embryology: from oocytes to preimplantation embryos. Hum. Reprod. 27 (1) August 2012.
  • Dia 4 a 6: nestes dias, ocorre a evolução do pré-embrião ao estágio chamado blastocisto. Nesta fase, o embrião é bem maior e com muitas células, apresentando uma grande bolsa líquida em seu interior, onde começa a ser delineada a estrutura que originará a futura placenta. Nem todos os embriões conseguem chegar a este estágio no laboratório, mas aqueles que o fazem terão boas chances de se saírem bem quando transferidos ao útero materno. É neste momento que se realiza a biópsia embrionária para diagnóstico genético, quando necessária.

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Fonte: Magli MC et al. Atlas of human embryology: from oocytes to preimplantation embryos. Hum. Reprod. 27 (1) August 2012.
  • Transferência embrionária

Entre o dia 3 e 6, realiza-se a colocação dos embriões no útero, por meio do procedimento conhecido como transferência embrionária. Ele é extremamente semelhante ao procedimento de IIU, quando se deposita o sêmen processado no interior uterino. No entanto, na transferência embrionária, depositamos embriões prontos. O procedimento lembra muito a coleta do Papanicolaou, sendo totalmente indolor e realizado sem anestesia. Utilizamos o ultrassom abdominal para localizar o melhor lugar, no interior do útero (o endométrio), para posicionar a microgota (visível) contendo os embriões (que não são visíveis a olho nu).

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FONTE: Shamonki MI, et al. Ultrasound-guided embryo transfer and the accuracy of trial embryo transfer. Hum. Reprod .20, (3) 709–716, 2005.

 

  • Implantação embrionária

Esta etapa dura em torno de 9 a 14 dias. Neste momento, ocorre a interação entre embrião e útero, e pouco podemos fazer sob o ponto de vista médico para ajudar. Neste momento, é importante a realização do suporte hormonal de fase lútea, em que utilizamos hormônios com o intuito de aumentar a probabilidade de implantação por meio da criação de um ambiente uterino o mais perfeito possível para a gravidez. Os medicamentos usados são as progesteronas, que podem ser naturais ou micronizadas, sempre usadas por via vaginal (comprimidos vaginais ou cremes), ou por via oral. É possível também utilizá-las por via injetável diária, alternativamente. Esse suporte de fase lútea imita a condição hormonal que se passa nas primeiras etapas da gravidez natural e é de grande importância para o sucesso. Na fase de implantação embrionária, é a principal medida que podemos adotar para aumentar as chances de gravidez.

  • Confirmação da gestação por dosagem de β-hCG quantitativo

Somente após 9 a 14 dias as próprias estruturas do embrião passam a produzir a substância chamada β-hCG, que pode ser medida no sangue. Quando encontramos determinados níveis dessa substância, podemos afirmar que houve implantação bem-sucedida e, a partir daí, iniciamos o acompanhamento sequencial até os primeiros exames ultrassonográficos.

Dr. Guilherme Leme de Souza