Provavelmente, a realização de um tratamento em reprodução assistida (TRA) seja um dos eventos mais estressantes que um casal possa enfrentar. O denominador comum de todas as pessoas que precisam passar por esse tratamento é a presença da ansiedade. A avalanche de emoções já começa com a decisão de procurar o médico e discutir o problema. A partir daí, inicia uma cansativa sequência de eventos que inclui a realização de diversos exames (alguns deles nada agradáveis), o retorno com exames ao médico, o diagnóstico do problema (que não necessariamente é de uma pessoa só) e a decisão por determinado método que auxiliará a gravidez. No entanto, em termos de ansiedade e expectativa, nada supera o período de espera pelo resultado após a realização do tratamento. São dias de tensão, sem que haja muita coisa a ser feita.
E quem vive a reprodução assistida conhece bem essa parte: nada é mais impactante para um casal do que receber um exame de gravidez negativo após percorrer toda essa jornada.
As consultas a casais que se submeteram a tratamentos que falharam, sempre, trazem a mesma pergunta: “meu tratamento falhou, o que pode ter acontecido…?” Como este momento é sempre carregado de pesar e cansaço, acho importante discutir algumas das mais frequentes causas para falha em TRA, principalmente em fertilização in vitro (FIV).
O primeiro ponto a ressaltar é que nem sempre há algum problema que tenha causado falha do tratamento. No entanto a principal função do médico especialista em reprodução humana, neste momento, é procurar potenciais causas para falha e diferenciar o caso cujo tratamento não funcionou circunstancialmente daqueles casos em que há de fato problemas que levam a falhas repetidas (e que continuarão acontecendo caso nada seja feito).
Sabemos, de acordo com estatísticas internacionais, que as taxas de sucesso de uma FIV giram ao redor de 40%. Tal dado é muito importante! Em outras palavras, ele nos diz que para cada 10 pessoas que realizarem tratamento, aproximadamente 6 não terão sucesso imediato, sem que necessariamente exista alguma causa específica. No tratamento de FIV, imitamos em laboratório o que ocorre de forma ideal no corpo da mulher. O tratamento em si envolve chances de falha pelo simples fato de que nossa capacidade de reproduzir todos esses complexos eventos biológicos ainda está muito longe da perfeição. O que não pode ocorrer é algum problema que induza a FIV a falhar e passe despercebido. Problemas não diagnosticados levarão a falhas repetidas, à custa de uma tremenda sobrecarga emocional ao casal.
A seguir, listo algumas das mais frequentes causas de falha de FIV encontradas no dia a dia.
PRESENÇA DE INFECÇÕES SUBCLÍNICAS
Muito comum em casos de falha, as infecções subclínicas (ou seja, leves demais para causarem sintomas) podem ocorrer em homens e mulheres. A presença de bactérias e de substâncias no metabolismo podem levar à redução na qualidade do ambiente uterino (em mulheres) e do material genético de espermatozoides (nos homens). Na mulher, é frequente o achado de endometrite, ou seja, sinais infecciosos no endométrio, que é o revestimento da parte interna do útero (justamente a região onde o embrião implanta). É um diagnóstico difícil, pois, muitas vezes, a paciente não apresenta sintoma algum, sendo necessária a realização de histeroscopia com biópsia para confirmar o diagnóstico. Já no homem, o mais frequente é encontrarmos sinais de infecção no espermograma, por meio de uma parte do exame chamada de prova de Endtz. Nem todos os laboratórios realizam essa prova, motivo pelo qual, frequentemente, só identificamos essa situação quando pedimos exames em laboratórios especializados. Pode representar a infecção leve do epidídimo (epididimite), local responsável pelo recolhimento e transporte dos espermatozoides, com desconforto testicular associado. No entanto é comum existir a presença de alteração no sêmen, com prova de Endtz alterada, sem que haja desconforto algum, da mesma forma como ocorre nas mulheres. É justamente essa falta de queixas clínicas que leva as infecções a passarem despercebidas. Em ambos os casos, a recomendação é a realização de tratamento com antibióticos para o casal, de forma a eliminarmos a possibilidade da presença de qualquer tipo de bactéria no sistema.
PROBLEMAS MASCULINOS NÃO DIAGNOSTICADOS OU SUBVALORIZADOS
Existem problemas masculinos que não são diagnosticados ou até mesmo são subvalorizados que, certamente, são desafios na reprodução assistida e, de longe, são as mais frequentes explicações para falha de FIV. Infelizmente, ainda, são comuns afirmações como “basta um espermatozoide para termos gravidez” ou “avaliar o homem não tem importância, pois o tratamento será FIV de qualquer forma”. Esse posicionamento, muito comum na década de 1990, ainda, permite que muitas FIVs sejam realizadas sem que a parte masculina (responsável por cerca de 50% dos casos de infertilidade conjugal) seja avaliada e adequadamente tratada, assim, expondo diversos pacientes a tratamentos complexos e caros sem que o casal tenha atingido sua melhor “forma” sob o ponto de vista reprodutivo. Não há sentido abusarmos das complexas TRA sem que tenhamos otimizado o casal ao seu máximo. É como colocarmos gasolina de última geração em um carro com motor desregulado, sendo que há, sim, possibilidades simples de “regulagem” que melhoram muito a performance dos TRA. O cenário mais comum que encontramos é o casal falhar em diversas FIVs na presença de alterações seminais decorrentes de causas reversíveis e que não foram tratadas, como, por exemplo, a varicocele, já discutida previamente aqui.
Não existe sentido para não se fazer avaliação andrológica completa e tratamento ou otimização masculina antes da aplicação de TRA. Isso é especialmente verdade em casos de falha de FIV.
PROBLEMAS NA PARTE INTERNA DO ÚTERO (CAVIDADE ENDOMETRIAL)
Alterações endometriais podem ocorrer sem que se descubra por meio dos exames mais corriqueiros (como ultrassom e histerossalpingografia). Cicatrizes intrauterinas (sinéquias), após curetagens ou pólipos, podem alterar a anatomia do revestimento uterino, o que dificulta muito a implantação dos embriões. A histeroscopia diagnóstica com biópsia pode diagnosticar problemas dessa natureza que, em sua maioria, são facilmente tratáveis.
PROBLEMAS NA PARTE EXTERNA DO ÚTERO (CAVIDADE PÉLVICA)
Algumas distorções no exterior do útero, também, podem ser de difícil diagnóstico com exames rotineiramente empregados na avaliação para infertilidade. Focos de endometriose podem ser pequenos e localizados em regiões de difícil visibilidade. Exames mais específicos, como a ressonância nuclear magnética ou ultrassonografia transvaginal com color doppler e preparo intestinal, podem revelar esses pequenos focos, elucidando casos de falhas recorrentes. Em determinados casos, pode ser recomendável a remoção cirúrgica (por meio da videolaparoscopia) desses focos endometrióticos, como ferramenta para se otimizar o ambiente abdominal, que, na vigência de endometriose ativa, pode levar à redução na qualidade dos óvulos e piora nos resultados da FIV.
PROBLEMAS DE RECEPTIVIDADE DO ENDOMÉTRIO
Uma das mais complexas áreas, no que se refere a falhas TRA, a receptividade do endométrio é frequente motivo de pesquisas e ações médicas. Melhorar a capacidade de implantação do endométrio com a incrementação das chances dos embriões transferidos em cada ciclo é, certamente, a próxima fronteira a ser atingida no mundo da FIV. Para se atingir essa condição, é importante certificarmo-nos de que não exista nenhuma condição que favoreça a ocorrência de focos de trombose na região onde se formará a futura placenta. Recorre-se aos exames de trombofilias (que devem ser interpretados com muito cuidado, junto ao especialista em reprodução humana e ao hematologista), sendo indicado o uso de anticoagulantes injetáveis (heparina, enoxaparina) em casos selecionados. Estratégias para melhora localizada da receptividade endometrial vêm sendo utilizadas com bons resultados em diversos centros em todo o mundo. A mais popular delas é a realização de uma descamação endometrial no ciclo anterior à transferência de embriões, como forma de se induzir atividade inflamatória controlada, assim, aumentando as chances de implantação. Esse procedimento é conhecido como scratching ou peeling endometrial e pode ser realizado em consultório ou durante a biopsia endometrial por histeroscopia. Técnica para definição do melhor momento para implantação utilizando-se o kit ERA (endometrial receptivity array), também, pode ser uma opção em casos de falha de repetição.
PROBLEMAS EMBRIONÁRIOS
Após certificarmo-nos de que não há nenhum dos problemas discutidos, isoladamente, tanto no homem quanto na mulher, vale a pena pensarmos na possibilidade de que haja problemas nos próprios embriões. Em alguns casos, é possível existir certas características no homem e/ou na mulher que, mesmo não levando a nenhum tipo de problema de saúde, podem induzir a ocorrência de alguns tipos de imperfeições genéticas que expliquem as falhas repetidas. Essas alterações genéticas nos embriões só podem ser detectadas ao examinarmos o material genético dos embriões (não por meio de exames realizados no homem ou na mulher), o que só pode ser feito a partir da biópsia embrionária, com aplicação de exames para o screening genético pré-implantacional (PGS) (por diversas técnicas, como FISH, CGH, NGS ou PCR). Vale ressaltar que nem todo casal que vive falhas de FIV, necessariamente, precisará dessas ferramentas, mas, em casos selecionados, podemos detectar embriões com determinados problemas genéticos e, assim, evitar transferências que certamente levariam a novas falhas ou abortamentos precoces. Para o emprego dessas técnicas, é fundamental trabalharmos em embriões com desenvolvimento avançado, no estágio de blastocisto. É neste estágio que a biópsia embrionária pode ser realizada com maior segurança e confiabilidade por trazer resultados mais consistentes. Para atingir esse estágio, é necessário que o embrião permaneça em laboratório por tempo prolongado (5 ou 6 dias), o que por si só já configura uma estratégia de seleção embrionária. Embriões que são capazes de atingir esse estágio, certamente, foram capazes de superar diversas etapas do desenvolvimento com sucesso, assim, elevando as chances de implantação e sucesso no tratamento.
Em conclusão, a minha sugestão, nos casos de falhas repetidas de FIV, é buscar informações e discutir opções. No momento de insucesso, é parte de nossa natureza buscar o caminho mais curto para fazer sumir a sensação ruim que vem junto com um resultado negativo. Mas o melhor é manter a tranquilidade e analisar a situação, de forma serena, com o médico. O olhar deve ser sempre para frente, em busca de aumentar as chances, mesmo que sejam necessárias algumas mudanças de planos. Devemos realizar uma boa pesquisa, pedir exames (se indicados) e certificarmo-nos de que não há nenhuma ferramenta que tenha sido deixada de lado. Mais importante do que ter pressa é não deixarmos de fazer tudo aquilo que estiver ao nosso alcance para que uma futura tentativa venha, sim, acompanhada das melhores chances possíveis de sucesso!