Existem reais possibilidades de conseguirmos a gravidez. Para todos os casos, há possibilidade de oferecermos uma estratégia reprodutiva.
Independentemente do tratamento empregado, precisamos de três itens básicos:
- bons óvulos;
- bons espermatozoides;
- útero saudável.
Se formos capazes de obter esses três itens, será possível a gravidez.
O QUE É AZOOSPERMIA?
Por definição, azoospermia é quando o esperma (líquido ejaculado) não possui espermatozoides.
O líquido ejaculado pode não conter espermatozoides, basicamente, por dois motivos:
- Bloqueio mecânico na passagem dos espermatozoides – Azoospermia obstrutiva.
- Problemas na produção dos espermatozoides – Azoospermia não obstrutiva.
Definir em qual situação se enquadra cada paciente é a chave para escolhermos o melhor tratamento. Portanto, não adianta dirigirmos toda a atenção do tratamento para a mulher ou para a fertilização in vitro (FIV), quando o que realmente vai determinar se a gravidez será ou não possível é a avaliação andrológica. É muito comum, infelizmente, vermos diversos casais desgastados, após vários tratamentos que falharam, por conta da falta de atenção em uma das questões mais importantes para termos sucesso em um tratamento de fertilidade: a qualidade dos espermatozoides. Uma boa avaliação andrológica, com exames específicos e adequados e associados a um tratamento correto podem viabilizar a gravidez a cerca de 60% dos casais com homens portadores das formas mais complicadas de azoospermia.
COMO SABER SE SOU AZOOSPÉRMICO
O primeiro passo é termos certeza de que o homem realmente é azoospérmico. Para isso, de acordo com as recomendações internacionais, são necessárias, no mínimo, duas análises seminais corretamente executadas, assim, confirmando ausência total de espermatozoides no sêmen. O espermograma é um exame que pode ser feito de diversas formas.
Atenção: espermogramas não especializados, realizados em laboratórios de análises clínicas convencionais, são geralmente executados a partir de métodos automatizados e muito sujeitos à imprecisão e a erros. Naturalmente, podem ser uma boa ferramenta de triagem, mas nunca devem ser utilizados isoladamente para definir os rumos em situações de azoospermia.
O MELHOR MÉTODO
Muitas vezes, mínimas quantidades de espermatozoides podem ser encontradas no sêmen quando utilizamos avaliação manual e uma procura mais cuidadosa com uso de centrifugação, ou pesquisa para confirmação de azoospermia. Essas mínimas quantidades já podem ser suficientes para garantir uma gestação utilizando técnicas de alta complexidade como a fertilização in vitro, com ICSI, sem que haja necessidade de métodos mais invasivos ou cirurgias. Realizar um número correto de espermogramas com técnica apurada pode ser a diferença entre um tratamento bem-sucedido ou não.
Após nos certificarmos do diagnóstico de azoospermia, só conseguiremos estabelecer planos medicamente corretos se nos concentrarmos na avaliação médica detalhada, seguindo os clássicos preceitos da boa medicina.
- CONSULTA DO CASAL
Apesar de muitas vezes já sabermos que existe um problema masculino envolvido, é fundamental termos uma perfeita avaliação da esposa. Portanto, para o tratamento andrológico ser perfeito, o urologista deve se interessar muito pela avaliação reprodutiva feminina. Não há sentido colocarmos esforço demais em uma pessoa quando o casal precisa de atenção.
Vários problemas podem levar à dificuldade de gestação e todos merecem atenção. Se há o diagnóstico de azoospermia, é necessário que nos focalizemos nele e nas possibilidades de tratamento para essa questão.
- HISTÓRIA E EXAME FÍSICO MASCULINO DETALHADOS
Obter informações médicas que possam explicar a azoospermia por meio de entrevista médica cuidadosa do paciente, focalizada na solução, pode trazer a resposta para a dificuldade de gestação. Muitas vezes, o paciente pode apresentar alguma condição médica que explica o problema e abre possibilidades para resolvê-lo. Medicações de uso contínuo para doenças crônicas ou doses inadequadas de hormônios (como reposição hormonal ou abuso de anabolizantes) são exemplos de situações em que a suspensão ou ajuste de doses pode ser a chave para o tratamento. Cirurgias urológicas prévias ou problemas neurológicos podem estar relacionados a algumas sequelas reprodutivas que exigem modalidades específicas de tratamento, como o manejo da ejaculação retrógrada ou tratamento com uso de vibroestimulação ou eletroejaculação. Além disso, precisamos examinar o paciente portador de azoospermia: nenhum exame fornece mais informações andrológicas do que o exame físico. É impossível oferecer um tratamento correto a um casal subfértil, em que exista o diagnóstico de azoospermia, sem que o homem seja examinado de forma cuidadosa. No exame físico, é possível obter dados que muitas vezes permitem diferenciarmos a azoospermia obstrutiva da azoospermia não obstrutiva. As próprias estratégias para conseguirmos espermatozoides já podem começar a ser delineadas neste momento.
- EXAMES COMPLEMENTARES
Lançamos mão de exames complementares tanto para avaliação andrológica geral quanto para investigação de problemas masculinos mais específicos, como a azoospermia ou a oligozoospermia grave (contagem de espermatozoides inferior a 5 milhões de células por mL de esperma).
É fundamental termos conhecimento sobre o estado de saúde do homem, além de termos em mãos um perfil hormonal completo, que inclui:
- Testosterona
- LH, FSH
- Prolactina
- Hormônios tireoideanos
- Andrógenos adrenais
- Esteroides femininos
Exames genéticos também serão necessários, são eles:
- Pesquisa de mutações do gene CFTR
- Pesquisa de microdeleções do cromossomo Y
- Cariótipo bandas G de sangue periférico, com avaliação de 20 a 100 metáfases dependendo da situação.
Exames de imagem bem-executados, como uma ultrassonografia com doppler colorido e biometria testicular, podem trazer informações importantes para o planejamento do tratamento.
A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO CORRETO
Uma vez colhidos os dados, passamos ao passo mais importante em termos de definição de caminhos: diferenciação muito clara entre azoospermia obstrutiva e azoospemia não obstrutiva. Apesar de ambas as situações terem nomes parecidos, são condições completamente diferentes, tanto em termos de causas e características quanto em relação à maneira de tratarmos. É um erro grande prosseguirmos com um tratamento de FIV sem que essa distinção tenha sido realizada com precisão.
AZOSPERMIA OBSTRUTIVA
Nos portadores de azoospermia obstrutiva, comumente, encontramos algum dado na entrevista ou nos exames que expliquem a barreira mecânica no caminho dos espermatozoides. Em geral, a causa mais comum de azoospermia obstrutiva é a vasectomia, cirurgia em que se bloqueiam os canais por onde caminham os espermatozoides. Em outras situações, esse bloqueio pode ser causado por ausência de canais por problemas congênitos, por sequelas de cirurgias e infecções ou grandes traumas pélvicos. Trata-se de casos em que existe produção de espermatozoides, e o tratamento terá como objetivo reconstruir o caminho natural (por meio de microcirurgias como a reversão da vasectomia, ou desobstruções urológicas) ou capturar espermatozoides, a partir de microcirurgia, para fazê-los chegar artificialmente aos óvulos, com uso de métodos de reprodução assistida.
AZOSPERMIA NÃO OBSTRUTIVA
Já nos casos de azoospermia não obstrutiva, há problemas na formação dos espermatozoides. Devemos encarar esta produção (chamada espermatogênese) como uma linha de montagem: diversas etapas são necessárias, sendo cada uma delas dependente da anterior, até a completa formação do espermatozoide maduro. Se há algum problema, em qualquer ponto da linha de produção, haverá repercussão na análise seminal. Essa linha de montagem se passa nos testículos do homem, que são órgãos complexos e sensíveis. Desequilíbrios fisiológicos de qualquer natureza podem comprometer o bom funcionamento da produção espermática. Dessa maneira, são diversas as causas para essa condição. No entanto é preciso entendermos que, para haver espermatozoides no ejaculado, um grande número de espermatozoides precisa ser produzido. Em determinadas circunstâncias, a produção é tão pequena que os poucos e frágeis espermatozoides não toleram a “viagem” até as regiões mais distantes do organismo masculino, onde se processa a ejaculação. Dessa forma, quando analisamos azoospérmicos, podemos estar diante de ausência completa, ou de produção de quantidades mínimas, sem que seja possível diferenciá-los (infelizmente, nenhum exame nos dá essa diferenciação).
De todos os azoospérmicos não obstrutivos, cerca de 50% podem sim ser capazes de produzir mínimas quantidades de espermatozoides, que não chegam ao ejaculado. Essa é a chave para oferecermos possibilidades reais de gravidez para grande parte desses homens que, até poucos anos, eram considerados estéreis. Esses espermatozoides podem ser capturados a partir de uma microcirurgia em que se navega pelo interior do testículo, explorando-o, em busca de pequenas regiões produtoras de espermatozoides.
Esse procedimento é a microdissecção testicular (ou micro-TESE, sigla em inglês para “extração de espermatozoides testiculares por microdissecção”), que, quando bem-sucedida, é capaz de capturar quantidades mínimas de espermatozoides, suficientes para realização de uma FIV por ICSI (sigla em inglês para “injeção intracitoplásmica de espermatozoides”). São, em geral, espermatozoides muito frágeis, pouco tolerantes ao congelamento para preservação, e que precisam ser colocados diretamente no interior do óvulo em até 24 horas, fazendo com que essa opção seja sempre acoplada ao tratamento de FIV da esposa. Modernamente, pode-se optar pelo emprego de tratamentos que visam aumentar as chances de encontrarmos espermatozoides no sêmen.
Conforme as características do caso, diversas modalidades de indução hormonal podem ser empregadas, de uma maneira muito parecida com a que utilizamos nas mulheres, para obtermos mais óvulos em uma FIV. Obviamente são situações muito específicas e com uso de esquemas de tratamento diferentes daqueles utilizados em mulheres. Essas modalidades podem aumentar as chances de obtermos espermatozoides ejaculados, além de aumentarem a possibilidade de conseguirmos espermatozoides retirados diretamente de dentro dos testículos, se houver necessidade.
Dr. Guilherme Leme de Souza